Nhu Manel era
conhecido como um grande mentiroso. Para contar mentiras desafiava meio mundo.
Fez disso a sua profissão e pelos lugares que já tinha passado não encontrou
ninguém que lhe ganhasse nessa de contar mentiras.
Resolveu ganhar
a vida desafiando os mentirosos com apostas de contar mentiras. Um dia resolveu
correr o mundo para contar mentiras… percorria as cidades, vilas, aldeias e
povoados a mentir… por onde passava desafiava, apostando com os mentirosos
dessas terras… levava a melhor aos que se atreviam a enfrentá-lo… ganhava a
vida nas apostas que fazia com os mentirosos das outras bandas - cidades, vilas
e aldeias… ainda não encontrara alguém que lhe ganhasse nas mentiradas.
Nas suas
andanças pelo mundo, um dia, chegou a uma aldeia e, a primeira pessoa que
encontrou, era um rapazinho, numa tosca mesa, com os seus livros a estudar.
Respondia pelo nome de Djokinha. Era filho de uma lavadeira e um pescador.
Naquele dia a
mãe levantara mais cedo e foi à ribeira lavar as roupas das freguesas. Acordou
mais tarde e achou o pai a preparar-se para a sua lida no mar. Tomou a bênção
do pai que lhe disse:
- Djokinha, a
tua mãe foi à lida bem cedo e deixou-te o café – pequeno-almoço - todo pronto:
cachupinha refogado… um ovo estrelado… linguicinha frita… cuscuz… café com
leite. Depois da barriga consolada, já sabes da tua obrigação até a hora da
escola. O pai afagou-lhe os cabelos, despediu-se e foi para o seu trabalho do
dia. Estava sentado a estudar – quando ouviu um cumprimento:
- Bom dia, meu
menino. - Era Nhu Manel, conhecido como um grande mentiroso, que acabara de
chegar e trazia uma vaca, amarrada numa corda curta.
- Bom dia, de
Deus… dê-me a sua bênção:
- Deus te
ajude… Anjo da tua Guarda que te guarde… Santo do teu nome que te pegue nas
mãos... Como é o teu nome?
- O meu nome é
Djokinha.
- A tua mãe e o
teu pai estão em casa?
- Não sior…
foram trabalhar.
- O meu nome é
Manuel da Veiga… sabes o que me trouxe até aqui?
- Bem… o sior
ainda não me disse nada.
- Olha, vamos
contar mentiras… se me ganhares, esta vaca é tua e dos teus pais, mas se
perderes, tomo tudo que tens dentro da casa.
.
Djokinha pensou…
e pôs os olhos no chão…. Depois levantou o rosto para Nhu Manel olhou para os
olhos dele e respondeu-lhe:
- O sior é que
sabe… Entre e sente-se. Djokinha deu-lhe um mocho. Nhu Manel da Veiga depois de
amarrar a vaca numa mangueira, acomodou-se no assento e cruzou as pernas. Pediu
ao Djokinha, uma caneca de água para matar a sede.
Djokinha foi à
cozinha e meteu a caneca no pote encheu-a de água e tornou a despejá-la… encheu
a caneca e voltou a despejá-la… encheu a caneca e despejou-a no pote… voltou a
encher a caneca e voltou a despejá-la… Nhu Manel da Veiga afadigou-se…
- Então, Djokinha?
Estás à espera que a chuva caia para me trazeres a água?
- Nhu Manel,
tenha paciência… estou à procura da água de anteontem para destrinçar com água
de ontem e apanhar a água de hoje para levar ao sior.
- Traga-me
qualquer uma e deixa de conversa. – Djokinha levou-lhe a caneca com água. Nhu
Manel bebeu e limpou boca com as costas da mão. Pigarreou e meteu a mão no
bolso da japona e tirou o seu cachimbo e pediu ao moço:
- Djokinha,
traz-me uma brasa para acender o meu cachimbo. – Djokinha entrou na cozinha e
começou a soprar o fogo… soprou… soprou até que Nhu Manel, sem paciência,
voltou a perguntar-lhe:
- Então,
rapazinho… foi buscar o lume no fogo do inferno?
- Tenha
paciência, homem de Cristo… fadiga não dá camisa. Estou à procura do lume de
anteontem para destrinçar com o de ontem, para levar-lhe a brasa do lume de
hoje.
- Tu tens muita
conversa. Traga-me qualquer lume e deixa de estórias. – Nhu Manel mirava
Djokinha com rabo de olho... Resmungou: «o rapazinho pensa que é esperto… daqui
a pouco mostro-te onde o demo trava a chuva» - Cachimbo aceso, deu dois
paf-paf, virou e perguntou ao Djokinha:
- Djokinha,
sabias que nasceu uma criança com dez braços? – Djokinha olhou para o céu…
pensou um bocado e…
- Bom, Nhu
Manel, não lhe digo que não é verdade porque a minha mãe foi à ribeira lavar a
roupa encontrou uma camisa com dez mangas.
Nhu Manel abanou
a cabeça e tornou a perguntar-lhe:
- Tu sabias que
o mar pegou fogo? – Djokinha tornou a levantar o rosto para o céu…pensou um
bocado e respondeu-lhe:
- Bem, Nhu
Manel, eu não lhe digo que não é verdade porque o meu pai foi pescar e veio com
os peixes todos assados.
Nhu Manel cada
vez mais desconfiado e lá falou com os seus botões: «inda está com manias de
esperto, mas é agora que lhe vou agarrar no grosso do rabo». Com os olhos nos
olhos do Djokinha perguntou-lhe:
- Sabias que na
minha ribeira há um pé de figueira tão tamanho… tão tamanho… tão grossa, tão
grossa que tu tocas tambor de um lado e não se ouve do outro lado?
Djokinha pôs os
olhos no chão e passou as mãos pelos cabelos… Nhu Manel pensou: «eu sabia que
te pegava no grosso do rabo». Djokinha olhou nos olhos de Nhu Manel e voltou
olhar pelo chão… Nhu Manel não tirou os olhos dele.
Djokinha pôs-se
de pé e fez de conta que tinha esquecido da pergunta de Nhu Manel e saiu com
outra conversa:
- Nhu Manel, há
duas semanas atrás passou neste Céu de Deus um corvo tão tamanho, tão tamanho,
que só a cabeça e o pescoço passaram durante três dias… depois quando o corpo
veio a passar tivemos sete dias de escuridão, só viemos ver um pouco de
claridade quando o rabo esteve três dias a passar… durante aqueles dias não
vimos nem sol, nem a lua à noite.
Nhu Manel serrou
os olhos e num pulo pôs-se de pé… Djokinha espantado, sentou-se numa pedra que
estava por ali… Nhu Manel arregalou os olhos… pôs as duas mãos na anca, deu
dois passos até chegar junto do Djokinha, enraivecido que nem um lobo faminto,
lhe perguntou:
- Oh rapazinho,
tu és mentiroso!... Ouve lá, aonde que aquele corvo foi pousar?
Djokinha recuou
um pouco para se afastar de Nhu Manel… levantou o rosto para ele… coçou a
cabeça… com ganas de rir mas não fez por respeito e respondeu:
- Nhu Manel, numa
ribeira, não longe daqui, há uma figueira que se toca tambor de um lado e não
se ouve de outro… pois é Nhu Manel… é nessa figueira que ele poisou… ali faz o
seu ninho para chocar os seus ovos.
- Rapazinho, tu
não és coisa limpa… muito criança para tanto saberes. A vaca é tua… não tenho
mais nada para fazer aqui. Que Nhordés o acompanha.
Nhu Manel da
Veiga ajeitou a sua japona, enterrou o chapéu na cabeça e apoiou-se na sua
haste e tomou o caminho para a sua casa. Djokinha lá rumou para o quintal para
amarrar a sua vaca e quando saiu viu Nhu Manel, desanimado, a arrastar o corpo
sustido na sua haste. Chamou-lhe:
- Nhu Manel… Nhu
Manel da Bega!
- O que é,
rapazinho?
- Oiça aqui, o
melhor é o senhor apressar-se porque se o meu pai chegar aqui e o encontrar,
ele põe o caminho no bolso e o senhor nunca mais chegará à sua ribeira!
Nhu Manel largou
a haste, fincou o pé na estrada e arrancou a corrida. Antes do demo esfregar um
olho já se tinha perdido no tempo.